quinta-feira, 24 de novembro de 2022

 Audiência Pública sobre TEA na Câmara Municipal

 

Em debate, políticas públicas municipais voltadas para o Transtorno do Espectro Autista

 


“Transtorno do Espectro Autista (TEA): políticas públicas municipais” foi tema de Audiência Pública realizada na Câmara Municipal de Ouro Branco no dia 19 de novembro. “O objetivo de nos reunirmos aqui hoje é discutir aspectos objetivos e incentivar a sociedade a refletir sobre os direitos que os autistas e suas famílias possuem”, destacou o presidente da Casa Legislativa, vereador Lan Andrade. “Não estamos aqui como partes opostas, poder público e famílias, estamos aqui em busca de parcerias e soluções”, afirmou a vice-presidente, vereadora Nilma Silva.

 

O transtorno do espectro autista é caracterizado por algum grau de dificuldade na interação social e na comunicação. Nem todos os autistas têm a necessidade de apoio constante, e vários podem ter uma vida independente, enquanto outros dependem de terapias e acompanhamento mais de perto. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma a cada 100 crianças no mundo tem o transtorno. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhores as oportunidades de desenvolvimento.

Durante a audiência, familiares de autistas expuseram as dificuldades enfrentadas, especialmente no ambiente escolar e no atendimento de saúde. Edvane Silva, mãe de uma criança autista, conselheira municipal da Organização Neurodiversa pelos Direitos dos Autistas (ONDA) e do Grupo de Pais de Autistas de Ouro Branco (TEAR), em seu pronunciamento, destacou que o acesso a tratamentos adequados e políticas públicas eficientes podem fazer a diferença no desenvolvimento de quem possui o transtorno. Segundo ela, as famílias, sobretudo as mais carentes, não têm acesso a terapias na qualidade e quantidade necessária: “o autismo só regride com tratamento adequado, por isso peço a vocês, que podem fazer a diferença, que realmente façam!”, cobrou.

 

Patrícia Cavalcante, também mãe de uma criança autista, autista diagnosticada tardiamente e membro do TEAR, e Fernanda Moraes, mãe de uma adolescente autista e também conselheira da ONDA e membro do TEAR, falaram sobre a inclusão no ambiente escolar. “A intervenção adequada gera grandes avanços. É passada a hora de sair do discurso e partir para a prática, pois já temos muitas leis aprovadas e falta ação, além de ferramentas para uma fiscalização adequada”, lembrou Fernanda.

 

Pai de autista, o procurador municipal, dr. Alex Alvarenga, reafirmou a importância de discussões sobre o tema. “Como envolvido na causa e servidor público, sei das dificuldades de ambos os lados. Por isso, momentos de diálogo como esse são tão importantes”. Ele lembrou, também, que não adianta tratar o paciente se a família não tiver condições sociais.

 

Saúde e Educação

 

Segundo a secretária municipal de educação, Edvânia Pereira, Ouro Branco tem hoje 59 alunos com diagnóstico de TEA nas escolas municipais. Já os dados da secretaria municipal de saúde, coletados em agosto de 2022, apontam para 119 pacientes.

 

Atualmente, segundo a secretária Edvânia, a Educação conta com capacitação da comunidade escolar para o tema. Já para 2023, os planos são de treinamento e capacitação contínuos, contratação de coordenadores pedagógicos especializados em inclusão, de mais monitores, de professores de apoio, implantação de sala de recursos com cinco pólos para atendimento no contraturno escolar, e também oferta de atividade física uma vez por semana no contraturno, especialmente destinada ao público autista. Questionada sobre a quantidade de alunos autistas por monitor em sala de aula, a secretária informou que é necessário avaliar caso a caso, já que isso depende do grau de cada aluno.

 

Já na Saúde, Ouro Branco oferece atendimento especializado quinzenal em neuropediatria e reativou o convênio com a APAE, após a finalização do convênio com o Governo Federal. Pelo convênio, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Ouro Branco oferece atendimento em fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, e neuropediatria, além de contar com um assistente social. Os atendidos são avaliados por uma equipe multiprofissional para que, a partir da avaliação, sejam direcionados para os atendimentos necessários. Segundo o secretário municipal de saúde, dr. Eduardo Guimarães, também será criado, no próximo ano, um núcleo de referência para tratamento de autistas na cidade, em um dos pavilhões da antiga Escola Estadual Antônio Sérvulo Torres, no Pioneiros.

 

“Política pública se faz com diagnóstico”

 

Para a secretária municipal de desenvolvimento social, Bruna Stelamares, é muito importante ter dados corretos sobre a população autista na cidade para que as políticas públicas funcionem. Segundo um relatório produzido pela assistência social, são 179 diagnosticados com TEA na cidade. Mas ela acredita que sejam muitos mais, se for levada em conta a proporção de casos de autismo na população. E ela aguarda os dados do Censo para ter esse número real. “Política pública se faz com diagnóstico”, alertou a secretária.

 

Pela Lei Municipal 2.495, chamada de “Lei Zulmira Cotta”, a articulação desta é da Assistência Social. “A assistência é garantidora de direitos e realizamos nosso papel, provocando todas as outras secretarias a cumprir isso”, destacou a secretária. De responsabilidade direta da assistência social é a emissão da Ciptea, a carteirinha que contém informações de identificação da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, contato de emergência e, caso tenha, informações de seu representante legal/cuidador para trazer mais segurança e autonomia para os beneficiários do serviço. A Ciptea é um instrumento que visa garantir a atenção integral, o pronto atendimento e a prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social, mediante a apresentação do documento pelo cidadão. Mas, segundo a secretária Bruna, é baixa a aderência à Ciptea em Ouro Branco, sendo que só 55 foram emitidas até o momento e duas estão em confecção.

 

Questionada pela vereadora Nilma sobre a concessão de Benefício de Prestação Continuada (BPC) a pessoas com TEA, Bruna esclareceu que o benefício não é gerido pelo Município, e sim pelo Governo Federal, mas o cadastro é feito pela equipe da secretaria. E, desde 2017, o prazo para concessão do benefício passou de 30 para até 12 meses. “Lembrando que, pela Lei Orçamentária Federal aprovada para o ano que vem, não existem recursos nem para o BPC nem para o Auxílio Brasil”, alertou a secretária.

 

Atenção à votação da LOA 2023

 

A vereadora Valéria Lopes lembrou que, no dia 17 de novembro, vai a votação na Câmara Municipal a Lei Orçamentária Anual (LOA) do Município para 2023. “Se não tiver recursos, nenhuma das ações aqui mencionadas poderão acontecer, e nem se não tiver recursos alocados no local certo”, alertou.

 

“Na LOA, por exemplo, está previsto o valor de um milhão e 300 para o Ceprac (Centro Psicológico de Referência da Criança e do Adolescente), este valor seria o suficiente?”, questionou a vereadora. Ela lembrou, também, que cabe aos vereadores apresentar emendas a esta Lei Orçamentária e cobrou a reativação do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência.

 

O vereador Warley Pereira afirmou que, desde a aprovação da Lei Zulmira Cotta, o trabalho não parou. “Agora estamos em busca destas demandas para fazer emendas à LOA. E vamos cobrar que tudo seja colocado em prática”.

 

Ricardo Leroy, servidor público municipal, pai de uma criança autista de 10 anos, também integrante do TEAR, disse que estava ali “para colocar o dedo na ferida”: “essa é a hora de olhar para o orçamento público municipal e fazer as emendas necessárias à nossa causa”, lembrou.

Cuidar de quem cuida

 

Fernanda Moraes lembrou da importância de se olhar para as mães dos autistas: “muitas estão depressivas, cansadas, sem condições financeiras, e simplesmente não podem nem pensar em desistir, pois não têm que cuide por elas”.

 

Presidente da Comissão da Mulher da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Ouro Branco, a dra. Verônica Alencastro lembrou que a responsabilidade é de toda a sociedade, mas que, em 80% dos casos, apenas a mãe cuida em tempo integral do autista. “Vendo alguns pais aqui eu os parabenizo. Porque os dados mostram que 78% abandonam as famílias antes das crianças com qualquer tipo de deficiência completarem 5 anos”, lamentou.

 

A advogada lembrou que estas mulheres deixam de viver suas próprias vidas para cuidar de seus filhos, daí a importância de políticas públicas e de leis de fato funcionais. “Lembrando que as mães em situação de vulnerabilidade sofrem ainda mais”, concluiu.

 

Trabalho conjunto

 

“A burocracia não pode fazer com que se perca a janela de intervenção junto às crianças de até 6 anos”, lembrou Luiz Alberto de Rezende, presidente da Subseção da OAB em Congonhas e pai de um autista. “A Câmara é onde se coloca a vontade do povo para ser ouvida, daí a importância de ações como esta Audiência Pública”, lembrou.

 

Presidente do Conselho Municipal da Saúde e do Conselho Municipal da Mulher, Thalisiana Paiva apontou a Audiência Pública como um momento único de articulação da engrenagem entre população, legislativo e gestores. E lembrou que é preciso não ter medo do diagnóstico: “ainda que traga dor é extremamente necessário, pois todos os tratamentos reduzem o sofrimento ao longo da vida”. Matheus Serafim, membro voluntário do Conselho de Autistas da ONDA, lembrou da importância de seu olhar também para o autista adulto: “Nós, autistas adultos, diagnosticados na infância ou tardiamente, também precisamos de atenção, tratamento, acompanhamento, e também pedimos esse olhar do poder público sobre nós”.

 

No encerramento da Audiência Pública, a vereadora Nilma disse que a Câmara, dentro das suas limitações enquanto legisladora e não executora, está sempre à disposição da população. “Cabe a nós, vereadores, captar as necessidades da população e transformar em ações. Sabemos que o processo nem sempre é na velocidade que a população necessita mas, instrumentos como as audiências públicas reforçam esse canal que aproxima a população do poder público”, conclui.

 

 

Legislação

 

Ouro Branco conta com a Lei Municipal nº 2.495, de 19 de agosto de 2021, chamada de “Lei Zulmira Cotta”, em homenagem a fundadora e ex-diretora da Apae Ouro Branco, que institui sobre políticas públicas do município de Ouro Branco para garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares. O projeto que deu origem à lei foi uma iniciativa do munícipe Matheus Henrique Serafim, que procurou o vereador Warley Pereira para estruturar o texto. Todos os demais vereadores assinaram o PL, devido à sua importância.

 

Pela Lei Municipal nº 2.495, é garantido no município de Ouro Branco a promoção de campanhas para conscientização sobre o TEA; atenção integral às necessidades de saúde deste público; estímulo à formação e à inserção no mercado de trabalho; promoção de um censo e de um cadastro para identificação das pessoas com o transtorno em Ouro Branco; garantia de acesso a diagnóstico precoce pelo município; direito a vagas exclusivas de estacionamento; passe livre para autistas carentes; carteira de identificação gratuita; instituição do uso do "colar do girassol" ou do "laço quebra-cabeça" como instrumento auxiliar de orientação de pessoas com deficiência não visível; entre outras.

 

Ouro Branco também conta com a Lei nº 2.304, de 10 de dezembro de 2018, que determina que estabelecimentos públicos e privados insiram placas de atendimento prioritário com o símbolo mundial do espectro autista. Pela lei, cabe poder executivo municipal, através de seu órgão competente, fiscalizar o cumprimento da mesma.

 

No Brasil, a Lei 12.764, de 2012 (Lei Berenice Piana), e a Lei 13.977, de 2020 (Lei Romeo Mion), garantem educação e atendimento multidisciplinar, além da prioridade a serviços públicos e privados às pessoas com autismo. Desde 2015, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento para os diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

 

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