terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Série identidade e patrimônio - Sentimento de pertença

Para fechar a série três matérias sobre Identidade e Patrimônio, que o jornal vem fazendo há três semanas para comemorar os 63 anos de emancipação de Ouro Branco, nesta edição será retratado o tema: Patrimônio, identidade e pertencimento, que foi escolhido  para mostrar que a preservação do patrimônio histórico se reflete diretamente na forma como as pessoas gostam do local onde vivem. Pertencer e se identificar com um grupo é tão antigo e necessário ao ser humano quanto para a maioria dos animais, seja consciente ou subjetivo, o indivíduo se agrupa. A forma de agrupamento pode fazer com que as pessoas passem a gostar de si próprias, das outras e também de um determinado lugar. Infelizmente em Ouro Branco houve distanciamentos que provocaram a ruptura com o passado, com a identidade cultural e com a cidade. Tudo isso está ligado não só com o processo de instalação de uma usina na cidade, mas também com a configuração de como isso foi feito.

A falta de sentimento de pertença dos moradores começou com a instalação da Usina que foi feita de forma autoritária, intempestiva, brusca e sem respeito ao nativo e sua história. Na década de 70, período de ditadura, uma empresa estatal poderosa chega e se “torna” proprietária de uma imensa quantidade de terra, desapropriando e tendo o poder de fazer o que queria.  Para ser ter uma ideia da brutalidade como isso foi feito, na época, Ouro Branco era uma pequena comunidade com menos de cinco mil habitantes e de uma hora para outra se vê com uma população crescente que, no auge, chegou a 60 mil habitantes. “É inimaginável se não fosse verídico”, explica a Secretária de Cultura e Patrimônio Histórico de Ouro Branco, Elizabeti Márcia  Felix Rodrigues de Oliveira.

Segundo ela, não houve uma preocupação com a comiseração da população despreparada tecnicamente para participar do novo, basicamente agrária e repleta de sonhos e muito menos um projeto adequado de proteção do patrimônio histórico local ou mesmo um registro da sua história. Assim como na história do descobrimento do Brasil, pode-se dizer que Ouro Branco foi recolonizado e não houve respeito aos moradores que nele existiam. Para se ter uma ideia da monstruosidade que foi feita, na época, foi criado um espaço com infraestrutura e condições favoráveis para os “novos moradores” que chegavam com empregos e melhores condições de vida.

Contudo, o nativo ficou relegado ao espaço velho, hoje o centro da cidade, e sentenciado às sobras. “Sinto dizer que as pessoas que chegavam viam o centro de forma preconceituosa e julgavam a pequena comunidade de analfabeta. Era criança e me lembro do sofrimento de várias famílias brigando para não serem desapropriadas, pessoas que de uma hora para outra perdiam sua condição de proprietário para inquilino. Sim, houve desrespeito a esses nativos, e de várias formas”, enfatiza Elizabeti. O modo como a usina chegou foi tão trágico que se a situação não era favorável para os nativos, também não era grande coisa para quem chegou. A própria Açominas, segregou seus empregados em bairros de acordo com a condição salarial, houve preconceitos até aos que chegavam de acordo com a condição social. 

Sem elos afetivos - Para a Secretária de Cultura e Patrimônio Histórico de Ouro Branco, Elizabeti Márcia  Felix Rodrigues de Oliveira, o sentimento de pertencimento de um povo está diretamente relacionado à preservação de sua história. “Esse sentimento de pertencimento das pessoas e sua relação com a noção de patrimônio e identidade cultural estão basicamente ligados ao passado. Para se construir um “elo efetivo” é importante que essa sociedade se sinta “parte da história”, tendo identificação com que valorizam. Assim se sentirão ligados a defender e proteger aquilo que estimam e que consideram parte de mesmo,” ressalta.

Ao analisar a valorização do passado das cidades, é nele que se buscam as origens das identidades, e infelizmente, faltaram objetos para essa análise em Ouro Branco. A história de Ouro Branco principalmente depois do impacto da mineração e da implantação de uma Siderúrgica ficou abalada e seu patrimônio foi-se acabando aos poucos. “Estou finalizando o “Livro Ouro Branco dos Ciclos” onde falo sobre esse impacto, fala-se muito nos benefícios, mas tudo tem dois lados e é preciso conhecer as duas partes”, explica a secretária.

Para Elizabeti Márcia Felix Rodrigues de Oliveira, um impacto muito grande na cultura, no patrimônio e na pequena população. “Vemos claramente hoje nas fachadas das residências da Rua Santo Antônio e no entorno da Praça Santa Cruz. Várias adaptações de comércios e puxados para atender na época o que a empresa não agraciou. Sem trabalho, a comunidade local teve que criar alternativas de sobrevivência e muitas delas passou por destruir suas casas, que faziam parte da história do proprietário e da cidade, para abrir um comércio”, analisa.

Ela ressalta ainda que aos poucos, a cidade foi perdendo sua identidade e sua história e o novo foi surgindo de forma descontrolada em meio ao centro da cidade, fazendo tudo ficar desconectado e feio. “Essa desconexão também foi se tornando cultural e aos poucos as pessoas não se identificavam mais com o passado, que parecia perdido, destruído”, completa.

Segundo ela, foi exatamente o modo como a Usina chegou que fez o povo perder o orgulho pela cidade. “O nativo ficou sem suas casas e quem chegou ficou segregado. Como amar um local que trata as pessoas dessa forma, que destrói seu patrimônio para dar lugar ao novo?”, indaga a secretária.  Nenhuma das duas partes queria pertencer a uma terra sem história. O sonho de todos era ir embora, ninguém, possuía um elo efetivo com o local e muito menos queria pertencer a essa terra e essa história que estava sendo destruída.


 Filhos de Ouro Branco
Se no passado todo mundo queria ir embora de Ouro Branco, hoje alguns nativos fazem questão de ressaltar: “Eu sou filho de Ouro Branco” e muitos que não nasceram na cidade gostariam de ter nascido. Para a secretária isso é, dentre outras coisas, fruto de valorização atual do pouco patrimônio que restou na cidade, por parte de um grupo de pessoas. “Com o crescimento desse sentimento e o fortalecimento da conscientização desses ourobranquenses, teremos condições de retomar nossa identidade cultural, preservar o patrimônio que restou, conhecer nossa história que é riquíssima e unificar comunidades que ainda se sintam segregadas, pois uma cidade só é boa se ela atender os anseios de todos”, ressalta.

Além disso, estão sendo realizadas muitas ações para preservar a história da cidade. Os debates sobre a conservação dos bens patrimoniais indicam um movimento incessante de instrumentalização do passado e de criação de símbolos. Essa tentativa de compreender os processos de recuperação da história e da memória tem reforçado o sentimento de pertença entre os moradores. “Muitas pessoas não sabem, há quase doze anos estamos sistematicamente realizando pequenos trabalhos de educação patrimonial nas escolas. Começamos de forma singela e pontual, aos poucos esse trabalho tem-se estendido com a Semana de Incentivo à Leitura e a Semana do Patrimônio Cultural, pois constam no calendário escolar municipal,” explica Elizabeti. 

A cada ano os trabalhos intensificam, mais professores adotam a ideia e realizam trabalhos  em suas classes. “Temos dado palestras nas escolas e oficinas temáticas, o resultado acontece a partir das crianças e chega aos seus pais. Também é a primeira vez que o município investe de fato em preservação e conservação dos bens culturais com recursos através do Fundo do Patrimônio Histórico e recursos do BDMG”, explica.  Mesmo que muitos julguem desnecessário, a preservação e restauração do patrimônio, o impacto da transformação atinge a todos e valoriza a cidade, fazendo surgir aos olhos um bem esquecido e apagado, oportunizando o turismo.


Segundo a secretária, existem cidades muito menores que vivem basicamente do turismo, porque tiveram seu patrimônio e a sua identidade preservada. Nunca é tarde para acordar. Hoje existe mais conscientização sobre o assunto, os governos começam a repensar as cidades: Origem, conceito e potencialidade, buscando as reabilitações dos seus núcleos históricos e no âmbito da educação patrimonial e ambiental, tomadas como instrumentos para a construção da cidadania e do desenvolvimento sustentável.

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