Para fechar a série três matérias sobre Identidade e Patrimônio, que o
jornal vem fazendo há três semanas para comemorar os 63 anos de emancipação de
Ouro Branco, nesta edição será retratado o tema: Patrimônio, identidade e
pertencimento, que foi escolhido para
mostrar que a preservação do patrimônio histórico se reflete diretamente na
forma como as pessoas gostam do local onde vivem. Pertencer e se identificar com um grupo é tão
antigo e necessário ao ser humano quanto para a maioria dos animais, seja
consciente ou subjetivo, o indivíduo se agrupa. A forma de agrupamento pode
fazer com que as pessoas passem a gostar de si próprias, das outras e também de
um determinado lugar. Infelizmente em Ouro Branco houve distanciamentos que
provocaram a ruptura com o passado, com a identidade cultural e com a cidade. Tudo isso está ligado não
só com o processo de instalação
de uma usina na cidade, mas também com a configuração de como isso foi feito.
A
falta de sentimento de pertença dos moradores começou com a instalação da Usina
que foi feita de forma autoritária, intempestiva, brusca e sem respeito ao
nativo e sua história. Na década de 70, período de ditadura, uma empresa
estatal poderosa chega e se “torna” proprietária de uma imensa quantidade de
terra, desapropriando e tendo o poder de fazer o que queria. Para ser ter uma ideia da brutalidade como
isso foi feito, na época, Ouro Branco era uma pequena comunidade com menos de
cinco mil habitantes e de uma hora para outra se vê com uma população crescente
que, no auge, chegou a 60 mil habitantes. “É inimaginável se não fosse verídico”,
explica a Secretária de Cultura e Patrimônio Histórico de Ouro Branco, Elizabeti Márcia Felix Rodrigues de Oliveira.
Segundo
ela, não houve uma preocupação com a comiseração da população despreparada
tecnicamente para participar do novo, basicamente agrária e repleta de sonhos e
muito menos um projeto adequado de proteção do patrimônio histórico local ou mesmo
um registro da sua história. Assim como na história do descobrimento do
Brasil, pode-se dizer que Ouro Branco foi recolonizado e não houve respeito aos
moradores que nele existiam. Para se ter uma ideia da monstruosidade que foi
feita, na época, foi criado um espaço com infraestrutura e condições
favoráveis para os “novos moradores” que chegavam com empregos e melhores
condições de vida.
Contudo,
o nativo ficou relegado ao espaço velho, hoje o centro da cidade, e sentenciado
às sobras. “Sinto dizer que as pessoas que chegavam viam o centro de forma
preconceituosa e julgavam a pequena comunidade de analfabeta. Era criança e me
lembro do sofrimento de várias famílias brigando para não serem desapropriadas,
pessoas que de uma hora para outra perdiam sua condição de proprietário para
inquilino. Sim, houve desrespeito a esses nativos, e de várias formas”,
enfatiza Elizabeti. O modo como a usina chegou foi tão trágico que se a
situação não era favorável para os nativos, também não era grande coisa para
quem chegou. A própria Açominas, segregou seus empregados em bairros de acordo
com a condição salarial, houve preconceitos até aos que chegavam de acordo com
a condição social.
Sem elos
afetivos - Para
a Secretária de Cultura e
Patrimônio Histórico de Ouro Branco, Elizabeti
Márcia Felix Rodrigues de Oliveira, o sentimento de
pertencimento de um povo está diretamente relacionado à preservação de sua
história. “Esse
sentimento de pertencimento das pessoas e sua relação com a noção de patrimônio
e identidade cultural estão basicamente ligados ao passado. Para se construir
um “elo efetivo” é importante que essa sociedade se sinta “parte da história”,
tendo identificação com que valorizam. Assim se sentirão ligados a defender e
proteger aquilo que estimam e que consideram parte de mesmo,” ressalta.
Ao analisar a valorização do passado das cidades, é
nele que se buscam as origens das identidades, e infelizmente, faltaram objetos para essa análise em Ouro Branco. A
história de Ouro Branco principalmente depois do impacto da mineração e da
implantação de uma Siderúrgica ficou abalada e seu patrimônio foi-se acabando
aos poucos. “Estou finalizando o “Livro Ouro Branco dos Ciclos” onde falo sobre
esse impacto, fala-se muito nos benefícios, mas tudo tem dois lados e é preciso
conhecer as duas partes”, explica a secretária.
Para Elizabeti
Márcia Felix Rodrigues de Oliveira, um impacto muito grande na cultura, no patrimônio e
na pequena população. “Vemos claramente hoje nas fachadas das residências da
Rua Santo Antônio e no entorno da Praça Santa Cruz. Várias adaptações de
comércios e puxados para atender na época o que a empresa não agraciou. Sem
trabalho, a comunidade local teve que criar alternativas de sobrevivência e
muitas delas passou por destruir suas casas, que faziam parte da história do
proprietário e da cidade, para abrir um comércio”, analisa.
Ela
ressalta ainda que aos poucos, a cidade foi perdendo sua identidade e sua
história e o novo foi surgindo de forma descontrolada em meio ao centro da
cidade, fazendo tudo ficar desconectado e feio. “Essa desconexão também foi se
tornando cultural e aos poucos as pessoas não se identificavam mais com o
passado, que parecia perdido, destruído”, completa.
Segundo ela, foi exatamente o modo como a Usina chegou que fez o povo
perder o orgulho pela cidade. “O nativo ficou sem suas casas e quem chegou
ficou segregado. Como amar um local que trata as pessoas dessa forma, que
destrói seu patrimônio para dar lugar ao novo?”, indaga a secretária. Nenhuma das duas partes queria pertencer a
uma terra sem história. O sonho de todos era ir embora, ninguém, possuía um elo
efetivo com o local e muito menos queria pertencer a essa terra e essa história
que estava sendo destruída.
Filhos de Ouro Branco
Se no passado todo mundo queria ir embora de Ouro
Branco, hoje alguns nativos fazem questão de ressaltar: “Eu sou filho de Ouro
Branco” e muitos que não nasceram na cidade gostariam de ter nascido. Para a
secretária isso é, dentre outras coisas, fruto de valorização atual do pouco patrimônio
que restou na cidade, por parte de um grupo de pessoas. “Com o crescimento desse sentimento e o
fortalecimento da conscientização desses ourobranquenses, teremos condições de
retomar nossa identidade cultural, preservar o patrimônio que restou, conhecer
nossa história que é riquíssima e unificar comunidades que ainda se sintam
segregadas, pois uma cidade só é boa se ela atender os anseios de todos”,
ressalta.
Além
disso, estão sendo realizadas muitas ações para preservar a história da cidade. Os debates sobre a conservação dos
bens patrimoniais indicam um movimento incessante de instrumentalização do
passado e de criação de símbolos. Essa tentativa de compreender os processos de
recuperação da história e da memória tem reforçado o sentimento de pertença
entre os moradores. “Muitas pessoas não sabem, há quase doze anos
estamos sistematicamente realizando pequenos trabalhos de educação
patrimonial nas escolas. Começamos de forma singela e pontual, aos poucos esse
trabalho tem-se estendido com a Semana de Incentivo à Leitura e a Semana do
Patrimônio Cultural, pois constam no calendário escolar municipal,” explica
Elizabeti.
A cada
ano os trabalhos intensificam, mais professores adotam a ideia e realizam
trabalhos em suas classes. “Temos dado
palestras nas escolas e oficinas temáticas, o resultado acontece a partir das
crianças e chega aos seus pais. Também é a primeira vez que o município investe
de fato em preservação e conservação dos bens culturais com recursos através do
Fundo do Patrimônio Histórico e recursos do BDMG”, explica. Mesmo que muitos julguem desnecessário, a
preservação e restauração do patrimônio, o impacto da transformação atinge a
todos e valoriza a cidade, fazendo surgir aos olhos um bem esquecido e apagado,
oportunizando o turismo.
Segundo
a secretária, existem cidades muito menores que vivem basicamente do turismo,
porque tiveram seu patrimônio e a sua identidade preservada. Nunca é tarde para
acordar. Hoje existe mais conscientização sobre o assunto, os governos começam
a repensar as cidades: Origem, conceito e potencialidade, buscando as
reabilitações dos seus núcleos históricos e no âmbito da educação
patrimonial e ambiental, tomadas como instrumentos para a construção da
cidadania e do desenvolvimento sustentável.
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