Audiência Pública sobre TEA na Câmara Municipal
Em debate, políticas públicas municipais voltadas para o Transtorno do
Espectro Autista
“Transtorno do Espectro Autista (TEA): políticas públicas municipais” foi tema de Audiência Pública realizada na Câmara Municipal de Ouro Branco no dia 19 de novembro. “O objetivo de nos reunirmos aqui hoje é discutir aspectos objetivos e incentivar a sociedade a refletir sobre os direitos que os autistas e suas famílias possuem”, destacou o presidente da Casa Legislativa, vereador Lan Andrade. “Não estamos aqui como partes opostas, poder público e famílias, estamos aqui em busca de parcerias e soluções”, afirmou a vice-presidente, vereadora Nilma Silva.
O transtorno do espectro autista é
caracterizado por algum grau de dificuldade na interação social e na
comunicação. Nem todos os autistas têm a necessidade de apoio constante, e
vários podem ter uma vida independente, enquanto outros dependem de terapias e
acompanhamento mais de perto. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma
a cada 100 crianças no mundo tem o transtorno. Quanto mais cedo o diagnóstico,
melhores as oportunidades de desenvolvimento.
Durante
a audiência, familiares de autistas expuseram as dificuldades enfrentadas,
especialmente no ambiente escolar e no atendimento de saúde. Edvane Silva, mãe
de uma criança autista, conselheira municipal da Organização Neurodiversa pelos
Direitos dos Autistas (ONDA) e do Grupo de Pais de Autistas de Ouro Branco
(TEAR), em seu pronunciamento, destacou que o acesso a tratamentos adequados e
políticas públicas eficientes podem fazer a diferença no desenvolvimento de
quem possui o transtorno. Segundo ela, as famílias, sobretudo as mais carentes,
não têm acesso a terapias na qualidade e quantidade necessária: “o autismo só
regride com tratamento adequado, por isso peço a vocês, que podem fazer a
diferença, que realmente façam!”, cobrou.
Patrícia
Cavalcante, também mãe de uma criança autista, autista diagnosticada
tardiamente e membro do TEAR, e Fernanda Moraes, mãe de uma adolescente autista
e também conselheira da ONDA e membro do TEAR, falaram sobre a inclusão no
ambiente escolar. “A intervenção adequada gera grandes avanços. É passada a hora
de sair do discurso e partir para a prática, pois já temos muitas leis
aprovadas e falta ação, além de ferramentas para uma fiscalização adequada”,
lembrou Fernanda.
Pai
de autista, o procurador municipal, dr. Alex Alvarenga, reafirmou a importância
de discussões sobre o tema. “Como envolvido na causa e servidor público, sei
das dificuldades de ambos os lados. Por isso, momentos de diálogo como esse são
tão importantes”. Ele lembrou, também, que não adianta tratar o paciente se a
família não tiver condições sociais.
Saúde
e Educação
Segundo
a secretária municipal de educação, Edvânia Pereira, Ouro Branco tem hoje 59
alunos com diagnóstico de TEA nas escolas municipais. Já os dados da secretaria
municipal de saúde, coletados em agosto de 2022, apontam para 119 pacientes.
Atualmente,
segundo a secretária Edvânia, a Educação conta com capacitação da comunidade
escolar para o tema. Já para 2023, os planos são de treinamento e capacitação
contínuos, contratação de coordenadores pedagógicos especializados em inclusão,
de mais monitores, de professores de apoio, implantação de sala de recursos com
cinco pólos para atendimento no contraturno escolar, e também oferta de atividade
física uma vez por semana no contraturno, especialmente destinada ao público
autista. Questionada sobre a quantidade de alunos autistas por monitor em sala
de aula, a secretária informou que é necessário avaliar caso a caso, já que
isso depende do grau de cada aluno.
Já
na Saúde, Ouro Branco oferece atendimento especializado quinzenal em
neuropediatria e reativou o convênio com a APAE, após a finalização do convênio
com o Governo Federal. Pelo convênio, a Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais de Ouro Branco oferece atendimento em fisioterapia, terapia
ocupacional, fonoaudiologia, e neuropediatria, além de contar com um assistente
social. Os atendidos são avaliados por uma equipe multiprofissional para que, a
partir da avaliação, sejam direcionados para os atendimentos necessários. Segundo o secretário municipal de saúde, dr.
Eduardo Guimarães, também será criado,
no próximo ano,
um núcleo de referência para tratamento de autistas na cidade, em um dos
pavilhões da antiga Escola Estadual Antônio Sérvulo Torres, no Pioneiros.
“Política
pública se faz com diagnóstico”
Para
a secretária municipal de desenvolvimento social, Bruna Stelamares, é muito
importante ter dados corretos sobre a população autista na cidade para que as
políticas públicas funcionem. Segundo um relatório produzido pela assistência
social, são 179 diagnosticados com TEA na cidade. Mas ela acredita que sejam
muitos mais, se for levada em conta a proporção de casos de autismo na
população. E ela aguarda os dados do Censo para ter esse número real. “Política
pública se faz com diagnóstico”, alertou a secretária.
Pela
Lei Municipal 2.495, chamada de “Lei Zulmira Cotta”, a articulação desta é da
Assistência Social. “A assistência é garantidora de direitos e realizamos nosso
papel, provocando todas as outras secretarias a cumprir isso”, destacou a
secretária. De responsabilidade direta da assistência social é a emissão da
Ciptea, a carteirinha que contém informações de identificação da pessoa com
Transtorno do Espectro Autista, contato de emergência e, caso tenha,
informações de seu representante legal/cuidador para trazer mais segurança e
autonomia para os beneficiários do serviço. A Ciptea é um instrumento que visa
garantir a atenção integral, o pronto atendimento e a prioridade no atendimento
e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde,
educação e assistência social, mediante a apresentação do documento pelo
cidadão. Mas, segundo a secretária Bruna, é baixa a aderência à Ciptea em Ouro
Branco, sendo que só 55 foram emitidas até o momento e duas estão em confecção.
Questionada
pela vereadora Nilma sobre a concessão de Benefício de Prestação Continuada
(BPC) a pessoas com TEA, Bruna esclareceu que o benefício não é gerido pelo
Município, e sim pelo Governo Federal, mas o cadastro é feito pela equipe da
secretaria. E, desde 2017, o prazo para concessão do benefício passou de 30
para até 12 meses. “Lembrando que, pela Lei Orçamentária Federal aprovada para
o ano que vem, não existem recursos nem para o BPC nem para o Auxílio Brasil”,
alertou a secretária.
Atenção
à votação da LOA 2023
A
vereadora Valéria Lopes lembrou que, no dia 17 de novembro, vai a votação na
Câmara Municipal a Lei Orçamentária Anual (LOA) do Município para 2023. “Se não
tiver recursos, nenhuma das ações aqui mencionadas poderão acontecer, e nem se
não tiver recursos alocados no local certo”, alertou.
“Na
LOA, por exemplo, está previsto o valor de um milhão e 300 para o Ceprac
(Centro Psicológico de Referência da Criança e do Adolescente), este valor
seria o suficiente?”, questionou a vereadora. Ela lembrou, também, que cabe aos
vereadores apresentar emendas a esta Lei Orçamentária e cobrou a reativação do
Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência.
O
vereador Warley Pereira afirmou que, desde a aprovação da Lei Zulmira Cotta, o
trabalho não parou. “Agora estamos em busca destas demandas para fazer emendas
à LOA. E vamos cobrar que tudo seja colocado em prática”.
Ricardo Leroy, servidor público
municipal, pai de uma criança autista de 10 anos, também integrante do TEAR,
disse que estava ali “para colocar o dedo na ferida”: “essa é a hora de olhar
para o orçamento público municipal e fazer as emendas necessárias à nossa
causa”, lembrou.
Cuidar
de quem cuida
Fernanda
Moraes lembrou da importância de se olhar para as mães dos autistas: “muitas
estão depressivas, cansadas, sem condições financeiras, e simplesmente não
podem nem pensar em desistir, pois não têm que cuide por elas”.
Presidente
da Comissão da Mulher da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Ouro
Branco, a dra. Verônica Alencastro lembrou que a responsabilidade é de toda a
sociedade, mas que, em 80% dos casos, apenas a mãe cuida em tempo integral do
autista. “Vendo alguns pais aqui eu os parabenizo. Porque os dados mostram que
78% abandonam as famílias antes das crianças com qualquer tipo de deficiência
completarem 5 anos”, lamentou.
A
advogada lembrou que estas mulheres deixam de viver suas próprias vidas para
cuidar de seus filhos, daí a importância de políticas públicas e de leis de
fato funcionais. “Lembrando que as mães em situação de vulnerabilidade sofrem
ainda mais”, concluiu.
Trabalho
conjunto
“A
burocracia não pode fazer com que se perca a janela de intervenção junto às
crianças de até 6 anos”, lembrou Luiz Alberto de Rezende, presidente da
Subseção da OAB em Congonhas e pai de um autista. “A Câmara é onde se coloca a
vontade do povo para ser ouvida, daí a importância de ações como esta Audiência
Pública”, lembrou.
Presidente
do Conselho Municipal da Saúde e do Conselho Municipal da Mulher, Thalisiana
Paiva apontou a Audiência Pública como um momento único de articulação da
engrenagem entre população, legislativo e gestores. E lembrou que é preciso não
ter medo do diagnóstico: “ainda que traga dor é extremamente necessário, pois
todos os tratamentos reduzem o sofrimento ao longo da vida”. Matheus Serafim, membro voluntário do Conselho de Autistas da ONDA,
lembrou da importância de seu olhar também para o autista adulto: “Nós,
autistas adultos, diagnosticados na infância ou tardiamente, também
precisamos de atenção, tratamento, acompanhamento, e também pedimos esse olhar
do poder público sobre nós”.
No
encerramento da Audiência Pública, a vereadora Nilma disse que a Câmara, dentro
das suas limitações enquanto legisladora e não executora, está sempre à
disposição da população. “Cabe a nós, vereadores, captar as necessidades da
população e transformar em ações. Sabemos que o processo nem sempre é na
velocidade que a população necessita mas, instrumentos como as audiências
públicas reforçam esse canal que aproxima a população do poder público”,
conclui.
Legislação
Ouro
Branco conta com a Lei Municipal nº 2.495, de 19 de agosto de 2021, chamada de
“Lei Zulmira Cotta”, em homenagem a fundadora e ex-diretora da Apae Ouro
Branco, que institui sobre políticas públicas do município de Ouro Branco para
garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com Transtorno do
Espectro Autista (TEA) e seus familiares. O projeto que deu origem à lei foi uma iniciativa do munícipe Matheus Henrique Serafim,
que procurou o vereador Warley Pereira para estruturar o texto. Todos os demais
vereadores assinaram o PL, devido à sua importância.
Pela
Lei Municipal nº 2.495, é garantido no município de Ouro Branco a promoção de
campanhas para conscientização sobre o TEA; atenção integral às necessidades de
saúde deste público; estímulo à formação e à inserção no mercado de trabalho;
promoção de um censo e de um cadastro para identificação das pessoas com o
transtorno em Ouro Branco; garantia de acesso a diagnóstico precoce pelo
município; direito a vagas exclusivas de estacionamento; passe livre para
autistas carentes; carteira de identificação gratuita; instituição do uso do
"colar do girassol" ou do "laço quebra-cabeça" como
instrumento auxiliar de orientação de pessoas com deficiência não visível;
entre outras.
Ouro
Branco também conta com a Lei nº 2.304, de 10 de dezembro de 2018, que
determina que estabelecimentos públicos e privados insiram placas de
atendimento prioritário com o símbolo mundial do espectro autista. Pela lei,
cabe poder executivo municipal, através de seu órgão competente, fiscalizar o
cumprimento da mesma.
No Brasil, a Lei 12.764,
de 2012 (Lei Berenice Piana), e a Lei 13.977,
de 2020 (Lei Romeo Mion), garantem educação e
atendimento multidisciplinar, além da prioridade a serviços públicos e privados
às pessoas com autismo. Desde 2015, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece
tratamento para os diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
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